Pirâmide de Cocô de Gatos

Em nossa rotina clínica, a diarreia felina é uma queixa frequente e, muitas vezes, desafiadora. Visando otimizar nossa abordagem diagnóstica e terapêutica, aproveitei um artigo publicado na revista "The Feline Practitioner , pelo Phd Craib W. que explora os princípios fundamentais delineados na "Pirâmide Felina da Diarreia", e resumi em um modelo prático para o manejo de casos gastrointestinais em nossos pacientes felinos.

A PIRÂMIDE DA DIARREIA: UMA ABORDAGEM ESTRUTURADA

A "Pirâmide Felina da Diarreia" propõe uma abordagem diagnóstica que considera a idade do paciente e a gravidade clínica para guiar a investigação da causa da diarreia. Entender essa estrutura nos permite otimizar o uso de nossa expertise clínica e a solicitação de exames complementares.

O Valor Inestimável da Expertise Clínica

É crucial reconhecer que nossos clientes investem não apenas em testes diagnósticos, mas principalmente em nossa expertise clínica. Nossa capacidade de obter uma história completa e realizar um exame físico minucioso impacta diretamente a eficácia e a eficiência do plano diagnóstico, aumentando a probabilidade de um diagnóstico correto e tratamento adequado.

Princípio 1: Sintomas Gastrointestinais não são Exclusivos de Doenças Gastrointestinais

Lembremos que sinais clínicos como diarreia e vômito também podem ser manifestações de doenças não primariamente gastrointestinais. Portanto, nosso raciocínio inicial deve contemplar uma ampla gama de diagnósticos diferenciais, dividindo-os em causas primárias e secundárias.

Princípio 2: Verifique a Percepção do Tutor

A percepção do tutor sobre o problema de seu gato pode não corresponder à realidade clínica. A queixa inicial de diminuição do apetite, pode estar relacionada a qualquer causa de anorexia, até mesmo à dor oral (por exemplo, abscessos dentários), o que pode levar a uma extensa investigação gastrointestinal, quando a causa real pode ser outra. Verificar, verificar e verificar as informações fornecidas pelo tutor é fundamental para direcionar nossa investigação de forma correta. Como sabiamente dito, "Não há respostas certas para perguntas erradas".

Princípio 3: Sua Capacidade Clínica Define o Significado dos Testes

Nossos resultados diagnósticos são tão valiosos quanto nossa capacidade clínica. As causas mais comuns de diarreia em filhotes são parasitárias e infecciosas, e muitos desses agentes podem ser encontrados nas fezes. No entanto, a presença de um organismo não implica necessariamente que ele seja o causador da doença, ou seja, a presença não determina a responsabilidade do fator etiológico.

A Importância da Anamnese e do Exame Físico Detalhados

Obter uma história completa e realizar um exame físico minucioso são etapas críticas. Um exame físico completo é a marca de um clínico de qualidade.

Mudança de Atitude no Tratamento Empírico

A prática rotineira de tratar filhotes com diarreia com vermífugos de amplo espectro está sendo reavaliada. A justificativa para essa abordagem incluía a dificuldade na identificação de parasitas, o custo de exames mais sofisticados e a percepção de poucos efeitos colaterais. No entanto, essa atitude precisa mudar devido ao crescente problema de resistência a anti-helmínticos e ao potencial para selecionar bactérias resistentes a antibióticos. Além disso, parasitas como Giardia e Tritrichomonas estão desenvolvendo resistência a medicamentos específicos.

Sensibilidade e Especificidade vs. Valor Preditivo Positivo (PPV)

É fundamental distinguir entre sensibilidade e especificidade de um teste diagnóstico e seu valor preditivo positivo (PPV). Sensibilidade e especificidade são propriedades intrínsecas do teste, enquanto o PPV, a probabilidade de um resultado positivo ser um verdadeiro positivo, depende da prevalência da doença na população testada. Quem determina essa prevalência somos nós, veterinários, ao decidirmos quais pacientes testar com base em nossa avaliação clínica. Quanto melhor nossa avaliação clínica, maior a probabilidade pré-teste da doença e, consequentemente, maior o PPV. Devemos ter cautela com "painéis" de testes indiscriminados, priorizando aqueles relevantes para a suspeita clínica.

COMO UTILIZAR A ANALOGIA DA PIRÂMIDE EM SUA PRÁTICA CLÍNICA

Base da Pirâmide: Parasitas e Infecções (Giardia vs. Tritrichomonas)

Na base da pirâmide, a diferenciação entre Giardia e Tritrichomonas é comum. Ambas podem causar diarreia em gatos jovens, especialmente em ambientes de alta concentração de animais. Embora se pense que Tritrichomonas cause mais diarreia de intestino grosso e Giardia de intestino delgado, há sobreposição nos sinais clínicos. O diagnóstico preciso é crucial devido aos diferentes tratamentos e ao potencial zoonótico da Giardia.

Tecnologias Diagnósticas na Base da Pirâmide

Avanços tecnológicos levaram o "exame fecal" para laboratórios de diagnóstico, com a aplicação de técnicas sofisticadas como ELISA e PCR. O ELISA para Giardia é sensível e específico e pode ser realizado em amostras frescas ou refrigeradas. O PCR oferece alta sensibilidade para identificar sequências de DNA específicas de diversos patógenos. Para Tritrichomonas foetus, o PCR é uma ferramenta importante. No entanto, é essencial lembrar que a presença de um organismo não significa necessariamente que ele seja o responsável pela doença.

Subindo a Pirâmide: Dieta como Ferramenta Diagnóstica

À medida que avançamos na pirâmide, especialmente em casos de diarreia crônica em gatos mais velhos, a intervenção dietética se torna uma ferramenta diagnóstica valiosa. Uma dieta de eliminação ou hipoalergênica por um período adequado (pelo menos duas semanas) pode auxiliar na identificação de sensibilidades ou alergias alimentares. A ausência de um teste terapêutico com dieta hipoalergênica pode levar a tratamentos mais agressivos e ao desenvolvimento de comorbidades.

Topo da Pirâmide: Desafios Diagnósticos (IBD vs. Linfoma GI)

No topo da pirâmide, o desafio diagnóstico frequentemente reside em diferenciar entre doença inflamatória intestinal (DII) e linfoma gastrointestinal (LGAL). Gatos nessa fase tendem a ser mais velhos e apresentar sinais sistêmicos. O diagnóstico definitivo de DII é histopatológico, enquanto o de linfoma GI pode ser desafiador mesmo com biópsia. Técnicas como imuno-histoquímica (IHC) e PCR para rearranjos do receptor de antígeno (PARR) auxiliam na diferenciação.

Cuidado com o Encerramento Prematuro

É fundamental evitar o encerramento prematuro do raciocínio diagnóstico, que é a tendência de cessar a investigação assim que uma possível solução é encontrada. Gatos podem apresentar múltiplas comorbidades. Mesmo com um diagnóstico aparente, devemos permanecer abertos a outras possibilidades.

Conclusão

A "Pirâmide Felina da Diarreia" oferece uma estrutura valiosa para abordar casos de diarreia em gatos. Ao combinarmos nossa expertise clínica com o uso judicioso de ferramentas diagnósticas e ao evitarmos o tratamento empírico indiscriminado, podemos melhorar significativamente o manejo gastrointestinal em nossos pacientes felinos, garantindo diagnósticos mais precisos e tratamentos mais eficazes. Lembremos sempre que nossa habilidade clínica é a base para uma jornada diagnóstica bem-sucedida.