Pimobendan em Gatos: O Fim de um Medo e o Início de uma Nova Era na Cardiologia Felina?

Uma análise aprofundada da nova revisão do JFMS que está mudando a forma como tratamos a insuficiência cardíaca em felinos.

Prof. Dr. Reginaldo Pereira

12/29/20254 min ler

Olá, colega.

Se você atende gatos, sabe o quão frustrante pode ser o manejo de um paciente com insuficiência cardíaca congestiva (ICC). Por anos, nosso arsenal terapêutico se concentrou em controlar a congestão com diuréticos, mas com uma sensação constante de que estávamos apenas tratando a consequência, não a causa. E, no centro de nossas discussões, sempre esteve o Pimobendan: uma ferramenta poderosa em cães, mas um tabu em gatos, assombrado pelo medo de piorar a obstrução na via de saída do ventrículo esquerdo (LVOTO) em pacientes com cardiomiopatia hipertrófica (CMH).

Esse medo, embora teoricamente justificado, nos privou de uma terapia com potencial de mudar desfechos. Até agora.

Uma revisão abrangente e baseada em evidências, publicada em Dezembro de 2025 no prestigiado Journal of Feline Medicine and Surgery (JFMS), compilou e analisou criticamente toda a literatura disponível sobre o uso de pimobendan em gatos . E os resultados são, no mínimo, uma mudança de paradigma. Este artigo não é apenas mais uma publicação; é um guia prático que nos dá a segurança que precisávamos para agir.

Vamos mergulhar nas 3 principais novidades que este estudo consolidou e o que elas significam para a nossa prática clínica diária.

Novidade 1: O Medo da Obstrução (LVOTO) Foi Redimensionado

A principal barreira para o uso do pimobendan em gatos sempre foi o receio de exacerbar a LVOTO em pacientes com CMH. A lógica era simples: um inotrópico positivo poderia aumentar a força de contração do septo hipertrofiado, piorando o gradiente de pressão. No entanto, a revisão das evidências pinta um quadro muito mais tranquilizador.

A Conclusão Prática: O medo de uma catástrofe hemodinâmica ao usar pimobendan em um gato com CMH e obstrução leve a moderada é, na maioria das vezes, infundado. A evidência sugere que o benefício do suporte inotrópico supera o risco na maioria dos pacientes com ICC. A cautela ainda é mandatória em casos de obstrução severa basal, onde betabloqueadores como o atenolol ainda são a primeira linha.

Novidade 2: O Impacto na Sobrevida é Real e Impressionante

Se a segurança foi reavaliada, a eficácia foi confirmada de forma dramática. O dado mais impactante da revisão vem de um estudo retrospectivo (Reina-Doreste et al., 2014) que comparou a sobrevida de gatos com CMH e ICC.

•Grupo Controle (Terapia Padrão): Sobrevida mediana de 103 dias.

•Grupo Pimobendan (Terapia Padrão + Pimobendan): Sobrevida mediana de 626 dias.

Isso representa um aumento de mais de 500% no tempo de sobrevida. São 523 dias a mais de vida com qualidade para o paciente e sua família. Embora um estudo prospectivo posterior não tenha replicado a mesma magnitude de benefício em 6 meses, o sinal de eficácia, especialmente em pacientes com disfunção sistólica documentada, é inegável e clinicamente muito significativo.

Novidade 3: A Farmacocinética Justifica a Dose (e o Respeito)

O estudo reforça que gatos não são cães pequenos. A farmacocinética do pimobendan em felinos é distinta:

•Maior Biodisponibilidade: Gatos atingem concentrações plasmáticas mais altas que cães com doses equivalentes.

•Menor Conversão: A conversão para o metabólito ativo (ODMP) é menor.

•Meia-vida Curta: A eliminação é rápida (0.7-0.8 horas).

A Conclusão Prática: Essas particularidades justificam a dose recomendada de 0.25 mg/kg a cada 12 horas (BID). A administração rigorosa a cada 12 horas é crucial para manter os níveis terapêuticos. A maior sensibilidade dos gatos à droga exige precisão na dosagem.

Guia Prático: Como Aplicar Isso na Sua Clínica Amanhã

Com base nessas evidências, podemos traçar um guia de decisão claro:

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O Fim do Medo

Esta revisão do JFMS não apenas nos atualiza, mas nos capacita. Ela substitui o medo pela ciência e a hesitação pela confiança. O Pimobendan não é uma bala de prata, mas se estabelece como uma ferramenta terapêutica fundamental, capaz de mudar drasticamente o prognóstico de muitos dos nossos pacientes felinos.

O próximo passo é incorporar essa evidência em nossa prática, sempre guiados por um diagnóstico preciso (o ecocardiograma é indispensável) e uma avaliação criteriosa de cada caso.

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Referências:

[1] Gordon, S. G., Saunders, A. B., Wesselowski, S., Malcolm, E. L., & Watson, A. (2025). Use of pimobendan in cats: a practical evidence-based review. Journal of Feline Medicine and Surgery, 27(12), 1-15. Disponível em: